A crescente disseminação das palavras do professor Olavo de Carvalho tem elucidado as pessoas em relação ao que é direita e esquerda e seus respectivos valores. Questões acerca da liberdade, do aborto, do armamento, da agenda LGBT e tantos outros temas estão na boca do brasileiro. Hoje, o “afegão médio” não sabe escalar os 11 titulares da seleção brasileira, mas nomeia cada um dos ministros do Supremo. Os anos se passaram e o Brasil mudou. Todavia, por mais que o interesse em política tenha aumentado, os cacoetes que nos amarram à miséria tupiniquim permanecem.
O brasileiro em geral odeia cultura e tudo que a circunda e, por essa razão, não acredita que a solução ou a mera entrada na guerra é pela via cultural – não temos saída, ou nos agarramos a ela ou afundamos de vez no oceano revolucionário enquanto a tábua que pode salvar a nossa vida passa diante dos nossos olhos. O ódio à cultura vem acompanhado do pensamento imediatista que nos possui. Queremos o resultado no mesmo instante, não temos a paciência necessária para ir trabalhando uma ideia até que os frutos apareçam. Malditos cacoetes.
Exemplifico com o contexto bem visível num dos setores mais ricos do Brasil: o agronegócio. Quando o povo estava nas ruas depois da fatídica derrota de Bolsonaro nas eleições de 2022, parte da turma do agro fez questão de bancar os acampamentos e os protestos. Comida, transporte e estrutura foram pagos em grande parte pelos produtores rurais. A razão certa desse suposto investimento é a esperança de que um movimento popular e político poderia mudar todo o cenário nacional num estalar de dedos, é o que Eric Voegelin denominaria de “fé metastática”, uma metamorfose estrutural e repentina que transforma uma turbulência num céu de brigadeiro. É a fé no imediato. Todavia, sabemos bem que em nada resultou, pelo contrário, muitos foram presos e perseguidos e, agora, a água começa a bater na bunda dos financiadores, como no lamentável caso do Argino Bedin – não estou falando que é justo, mas é uma falta de perspicácia esperar que do Estado venha alguma Justiça.
A longo prazo temos a cultura, a grande responsável por formar o imaginário popular e, consequentemente, moldar o pensamento de cada cidadão. Deixo aqui algumas perguntas à turma do agronegócio: Quantos livros vocês ajudaram a publicar? Quantos canais de TV e estações de rádio estão sob o comando do poderio financeiro do agro? Quantas escolas e faculdades vocês mantêm? Quantos institutos e organizações de base estão sob a tutela do agronegócio? Quantos estudiosos, intelectuais e artistas vocês têm auxiliado financeiramente?
Na minha situação de “pau rodado” em Cuiabá, terra do agro, tive a oportunidade de conversar com várias pessoas do setor. As respostas são as mais imbecis possíveis. Acreditem, em geral, o pensamento do agricultor e dos empresários ligados ao agronegócio, assim como de quase toda a população brasileira, é “estamentária”, isto é, quem deve se preocupar e incentivar financeiramente a cultura brasileira é o Estado. O mesmo Estado que eles criticam como sendo ineficiente, incapaz, corrupto, injusto e outros tantos adjetivos que vierem na sua cabeça. Ademais, eles esquecem que os órgãos e instituições estatais responsáveis pela Cultura e Educação no país estão nas mãos das pessoas que eles mesmos querem combater. É o que Raimundo Faoro, em seu livro ‘Os Donos do Poder’, chamou de “estamento burocrático”: a burocracia estatal não serve aos interesses administrativos do Estado, mas sim à vontade do grupo e do Partido. É o que acontece hoje no Brasil.
E ainda pode piorar. É um tanto comum ouvir argumentos do tipo “cultura não serve pra nada”. Este é não só o mais imbecil como também o mais engraçado de ser rebatido, principalmente quando é pronunciado em reuniões familiares. É só emitir a seguinte contrarresposta: “você prefere que sua filha ou netinha dance balé clássico ou funk da Anitta? Se cultura não é importante, tenho certeza de que você não se importará que alguma delas rebolem a bunda na piroca de algum malandro funkeiro”. As reações são das mais engraçadas... Logo depois de soltar uma dessa, mesmo que o sujeito não admita e mantenha a pompa de modo proporcional aos hectares de terra de sua fazenda, ele vê que errou e que seus valores só poderão ser resguardados de geração a geração através da cultura. Bruno Tolentino, no seu magnum opus ‘Balada do Cárcere’ num ensaio intitulado Da Quod Jubes, Domine sabiamente afirmou: “Uma cultura nunca é mais nem menos que um celeiro vivo, sem cujos grãos acumulados não há esforço de expressão pessoal que consiga produzir a antemanhã de uma nova e verdadeira colheita”.
Há verdadeiramente um espírito patriótico nos responsáveis pela grande locomotiva do agronegócio? Creio que sim. Gustavo Corção em ‘Patriotismo e Nacionalismo’ destaca que o verdadeiro e o falso patriota podem ser comparados aos critérios morais que levam um homem a desejar uma mulher como esposa ou como amante, isto é, para o bem ou para o mal: “a mesma força de inclinação pode ser moralmente boa ou má conforme o espírito que a governa”. Se a relação entre o cidadão e seu respectivo país for legitimamente boa, ali se encontra um verdadeiro patriota. O caso dos grandes produtores rurais me parece um problema de desvio estratégico, e não um problema moral.
Para exemplificar o que uma quantia razoável de dinheiro aplicada à cultura pode fazer a médio e longo prazo, explanarei acerca da família Weil e do Instituto para Pesquisa Social.
Herman Weil, um empresário alemão bem-sucedido, comerciante de grãos, que teve sua ascensão econômica na Argentina trabalhando para uma empresa holandesa, mas que, com o sucesso obtido, abriu seu próprio negócio com os seus irmãos, foi o responsável por bancar a grande pedra no sapato da direita mundial: a Escola de Frankfurt. O seu progresso empresarial foi tão rápido que dez anos depois de abrir a própria empresa, ele retornou a Alemanha e já era o maior comerciante de grãos do mundo. Seu filho, Felix Weil, um estudioso do marxismo, pediu ao pai uma quantia razoável de dinheiro para que fundasse um instituto que estudasse novos caminhos para as ideias de Karl Marx. O objetivo central do instituto seria demonstrar que a revolução marxista teria fracassado e que um novo caminho era necessário para que, enfim, o “paraíso comunista” se manifestasse.
Não diferente dos intelectuais que integraram o que viria ser conhecido como Escola de Frankfurt, Felix Weill era um filho de papai que queria acabar com o sistema econômico ao qual permitiu que o seu patrimônio familiar fosse conquistado. Uma ironia. O patriarca Weil logo se prontificou a satisfazer o desejo do filho, criando um fundo que rendia em média 120 mil marcos. Esse dinheiro, somado a outras doações, bancou o instituto por muitos anos. Herman Weill faleceu em 1927, a Escola de Frankfurt foi fundada em 1923 e vigora até hoje - ano passado foi comemorado os seus 100 anos de existência por todas as universidades do mundo. Cada integrante concentrou seus esforços intelectuais em uma respectiva área cultural. Theodor Adorno, Max Horkheimer, Friedrich Pollock, Herbert Marcuse, Erich Fromm. Todos eles criaram teorias que atacam diretamente os pilares do Ocidente.
Se hoje você a todo momento ouve falar em minorias, exclusão social, vê os jovens universitários se tornarem drogados e militantes, exaltação à bandidagem, sexualização das crianças, identidade de gênero, feminismo, linguagem neutra e tantas outras porcarias revolucionárias, é graças às ideias de todos os intelectuais citados acima somadas ao poderio financeiro da família Weill.
Espero que, neste curto artigo, o leitor – sobretudo se for do agronegócio – tenha compreendido que a investida em defesa da nossa pátria e dos nossos valores tem de acontecer no plano cultural. A política é apenas um mero desdobramento do que é colhido do celeiro vivo que é a Cultura.