Por Simone Iglesias e Martha Viotti Beck
Há algumas semanas, um entusiasmado Luiz Inácio Lula da Silva mergulhou no meio da guerra comercial entre EUA e China fazendo um desafio direto a Donald Trump — nada menos que de um palco em Pequim:
“Não temos medo de retaliação”, disse, momentos depois de assinar dezenas de acordos de investimentos com Xi Jinping, em viagem à China, no fim de maio. “Não é possível que um país do tamanho do Brasil, com a qualidade do Brasil, tenha medo de retaliação. Trump toma as medidas que ele achar que deva tomar para os Estados Unidos, e nós tomamos as medidas que nós achamos que temos que tomar para o Brasil. É assim que vai ser.”
Aquele era um Lula clássico, repleto da atitude desafiadora que definiu sua longa jornada para transformar o Brasil em um grande e respeitado ator internacional.
Seis meses após uma cirurgia cerebral de emergência e no meio de seu terceiro mandato, Lula continua tão enérgico e ambicioso no cenário mundial como nos outros dois governos. Ele se encontrou com Emmanuel Macron em Paris na semana passada, sediará a cúpula do BRICS em julho, no Rio, e realizará a conferência anual do clima das Nações Unidas na Amazônia no fim deste ano.
Mas se essa atitude no cenário externo o ajudou a se tornar um astro global — “o político mais popular da Terra”, como Barack Obama o chamou em 2009 —, agora está mascarando uma verdade cruel: no Brasil, Lula está se desintegrando.
A pouco mais de um ano das eleições, a maioria da população desaprova o presidente, cuja popularidade está entre as mais baixas de seus mandatos. Os investidores passaram a apostar que não há chance de recuperação do seu governo, ao mesmo tempo em que uma sensação de melancolia começou a se instalar entre assessores e aliados, muitos dos quais temem que uma das histórias de sucesso político mais notáveis do mundo esteja à beira de um capítulo final devastador.
A explicação frequentemente citada é uma mistura de mal-estar econômico e uma percepção cada vez mais intensa da falta de formulação de políticas públicas audaciosas dos mandatos anteriores.
Soma-se a isso um certo desleixo e lentidão em estancar os problemas, à medida que a alta inflação atinge as pessoas a quem Lula prometeu preços mais baixos. Mas esses são sintomas de um problema maior, dizem pessoas próximas ao presidente: o próprio Lula.
Nos últimos meses, a Bloomberg News conversou com quase duas dúzias de aliados, funcionários do governo, assessores e outras pessoas próximas a Lula, todos os quais pediram anonimato para falar livremente. A Secretaria de Imprensa da Presidência não respondeu a pedido de comentário.

As conversas pintaram um quadro claro. Cerca de quarto de século depois de sua ascensão ao poder, Lula se baseia em uma abordagem que, embora bem-sucedida no passado, se mostra agora incapaz de atender às novas demandas da população. Lula reluta em aceitar críticas ou conselhos que não venham de um círculo cada vez menor de pessoas em quem confia. E, apesar das visões grandiosas para o futuro, seu governo é um deserto de ideias para enfrentar os desafios do dia-a-dia, dizem pessoas ao seu redor.
É um declínio surpreendente para um homem que, até pouco tempo atrás, parecia o antídoto perfeito para o caos político que abalou o mundo nos últimos tempos. Após quatro anos de um tumultuado governo Jair Bolsonaro, muitos apostaram que Lula poderia restaurar a normalidade por meio de seu hábil instinto político e do pragmatismo que conduziram o Brasil por um breve, mas impressionante período de desenvolvimento há duas décadas.
Em vez disso, parece apenas o rosto mais recente de uma gerontocracia teimosa que não abre mão do controle, mesmo que a ordem política sem imaginação que lidera se mostre incapaz de navegar em uma tempestade de fúria eleitoral que continua a abalar o mundo. Assim como Joe Biden e outros antes dele, Lula não tem um sucessor óbvio para regenerar seu movimento — e nenhum interesse aparente em preparar um.
Preso no passado
Muitas pessoas próximas a Lula dizem que é cedo demais para desconsiderar sua capacidade de recuperação. Ele continua competitivo nas pesquisas eleitorais, apesar da perda crescente de popularidade e de aprovação.
Os esforços de Bolsonaro para escapar da prisão e encenar um retorno trumpiano paralisaram a direita, com clara dificuldade de se mover sem o aval do ex-presidente. E Trump, com sua guerra comercial nacionalista, já ajudou a rejuvenescer partidos de centro no Canadá e na Austrália, que pareciam fadados à derrota.
Lula, por sua vez, é um sobrevivente, mas pergunte por que ele está enfrentando tantas dificuldades e a resposta é quase unânime: o presidente que antes tinha uma capacidade única de reconhecer suas próprias vulnerabilidades e de se adaptar a cenários políticos mutáveis, agora parece preso ao passado.
A principal promessa eleitoral de Lula era que ele restauraria os bons tempos que o país viveu sob sua liderança de 2003 a 2010, quando o crescimento explosivo impulsionado pela bonança global das commodities e políticas arrojadas transformaram o Brasil e seu presidente em destaques.
Muitos aliados reconhecem agora que a campanha de 2022 baseava-se em pura nostalgia, sem um programa com soluções inovadoras para o que atualmente aflige o Brasil.