“We shape the buildings and than they shape us”, disse certa vez Winston Churchill, que ficou famoso pela sua atuação como primeiro-ministro na Segunda Guerra Mundial – sem contar suas conquistas etílicas, o homem tinha um talento admirável para beber. Outro talento de Churchill era o domínio da língua inglesa e a aplicação das mais variadas ferramentas retóricas em seus discursos, uma delas, talvez a principal, era a maestria em falar muito com pouco. A frase citada acima, que pode ser traduzida como “Nós moldamos os prédios e então eles nos moldam”, condensa um dos maiores mistérios da Arte: o ser humano tem o potencial de dar forma a coisas boas e ruins, e essas coisas boas e ruins moldam a alma humana, isto é, tudo o que nos chega pelos sentidos de alguma maneira nos afeta.
Longe de ser puritano e moralista – até porque já fiz merda demais nestes trinta e poucos anos de existência –, decidi comentar alguns aspectos a respeito do caso Anitta. No dia 26 de janeiro, a simulação de sexo oral que fará parte de um clipe foi um dos assuntos mais falados nas redes sociais. Se o sucesso da cantora expandiu de modo célere, a apelação sexual em suas músicas e vídeos ascendeu na mesma escala, basta conferir os seus hits e clipes mais famosos dos últimos dez anos. Além do mais, não compreendi a revolta dos fãs ao saberem que Anitta perdeu o Grammy na categoria de Artista Revelação para a Samara Joy, cantora de jazz que, diferentemente da concorrente, busca a atenção pelas pregas vocais. Abordarei esse caso a partir de apenas duas perspectivas diferentes que estão entrelaçadas uma à outra, são elas: o ritmo em primazia e a finalidade.
A música tem o poder de elevar-nos aos céus ou até nos fazer dançar ainda que a preguiça assaz domine os nossos músculos. Dito de outro modo, ela é capaz de mover a nossa alma e o nosso corpo, às vezes até os dois simultaneamente. Dentre todos as propriedades que formam a música, o ritmo é o único que existe antes e fora do homem, assim afirma Eduard Hanslick na sua obra Do Belo Musical. O instinto sexual também é como o ritmo, existia antes e estava fora de nós. Não é uma coincidência. Os dois se encontram em qualquer bicho da vida animal. Quando o compositor abre mão do império da melodia e da harmonia, o que sobra é a primazia do ritmo, e assim o que a música moverá será o nosso corpo e até mesmo o nosso instinto mais natural de reprodução. A melodia e a harmonia são obras do espírito humano, o ritmo é obra da natureza: quanto mais distante do espírito humano uma música está, mais perto estará ela dos instintos biológicos do nosso corpo.
Aristóteles nos ensinou que a existência de qualquer objeto se deve à quatro causas: a material, a formal, a eficiente e a final. Sem querer me estender muito, tudo começa e termina na causa final, é ela que nos dá o motivo para criar um objeto e, no uso dele, nos mostra em ato o seu funcionamento. Temos de concordar que a música de Anitta não eleva a nossa alma a lugar nenhum e muito menos nos ensina algo de relevante. Sendo assim, pergunto: Qual é a finalidade da música de Anitta? Em outras palavras, para que servem as músicas dela? Dadas as letras e a movimentação coreográfica, que condizem com os elementos musicais presentes nela, a real serventia das músicas de Anitta corresponde ao despertar sexual e nada mais.
O leitor pode até me questionar: “Mas a música não pode servir pra isso? Pra despertar o desejo sexual?”. Eu responderia: “bom, se você quiser acasalar sem algum sentido metafísico, sim, dito de outro modo, se quiser trepar por trepar, vai nessa”. O homem produziu a grande música do ocidente graças ao anseio de alcançar a Beleza (com B maiúsculo). Do teto da Capela Sistina até a mesa de jantar arrumada pela dona de casa, este anseio está presente em todos nós, desde a produção artística mais magnífica até o gesto mais corriqueiro da existência humana. O ser humano vive da beleza, pela beleza e para a beleza. Sem grandes esforços, podemos perceber que tudo que escapa do grande ideal da Arte, a Beleza, não passa de uma utilização trivial dos recursos e materiais que poderiam gerar uma verdadeira composição, isto é, o que poderia ser espaguete à carbonara se transforma em macarrão com linguiça.
A música de Anitta é como o anúncio que o dono faz ao seu cachorro para passear. Poucas e curtas palavras são um sinal de aviso que, ao ser escutado pelo cão, faz com que imediatamente o bicho abane o rabo de alegria. O sinal exige uma resposta corporal, o símbolo exige uma resposta da alma – para saber mais acerca disso, recomendo a leitura do livro Filosofia em Nova Chave, de Susanne K. Langer. Para concluir, enfatizo ao leitor que o objetivo central da Anitta é chamar a atenção do público através da lascívia que, após o frequente incitar de estímulos, faz com que os instintos sexuais ocupem um lugar central na vida da pessoa que não deveriam ocupar. Aos que discordam de mim quanto à finalidade do macarrão com linguiça da Anitta, reflitam no que diz respeito às coreografias dela: não passam de movimentos sexuais que, pela ausência da piroca (por enquanto), são chamadas de "dancinhas".